Apóstolo Paulo e seu “Burnout”

Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol da vossa alma.
(2 Coríntios 12:15)

 

Ao ler o versículo de introdução acima, não pude deixar de pensar que o Apóstolo Paulo, assim como outros grandes homens de Deus, que exerceram cargos de liderança entre o povo de Deus em Israel ou na Igreja Primitiva, que lideraram diretamente pessoas que esperavam deles “respostas” ou “soluções”, com quem mantinham um contato próximo ou direto, tenham desenvolvido, em algum momento de suas vidas, algo que na atualidade recebe o nome de “Síndrome de Burnout”.

O termo “Burnout” é uma expressão idiomática para designar “aquilo que deixou de funcionar, estragou”, mostrando que a pessoa entrou em “combustão completa” física e emocional, resultado de uma fadiga ocupacional. Apesar de ser algo novo para muitos, a “Síndrome de Burnout”, também chamada de “Síndrome do esgotamento Profissional”, foi assim denominada pelo psicanalista nova-iorquino Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no início dos anos 1970 (veja mais aqui).

Traduzindo ao pé da letra, “burn out” (separado) significa “queimar totalmente”, por isso, o termo “Burnout” (junto) é o substantivo usado como termo médico para indicar um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional, principalmente de profissionais que lidam diretamente com outras pessoas, tais como educador, assistente social, médico ou enfermeiro, entre outros, de quem, geralmente, as pessoas esperam direcionamento, solução de problemas, respostas e ajuda, tornam-se suscetíveis a desenvolver tal síndrome.

“’Burnout’ o terceiro motivo”

Entre diversas profissões que podem levar a um “burnout”, estão pessoas que no meio cristão chamamos de “vocacionados”, ou “chamados”, ou ainda os “escolhidos” para exercerem o algum ministério cristão. Um estudo realizado pela “LifeWay Research” mostrou as razões pelas quais pastores deixam o pastorado antes da hora nos Estados Unidos. A pesquisa entrevistou 734 pastores de 4 denominações: Assembleia de Deus, Igreja do Nazareno, Igreja Luterana (Sínodo de Missouri) e Convenção Batista do Sul. Sendo perguntado: “Por que você deixou o pastorado?” Os cinco principais motivos declarados foram:

Mudança de chamado — 40%;
Conflito na igreja — 25%;
Burnout — 19%;
Finanças pessoais — 12%;
Questões familiares — 12%.

Perceba que entre os 734 pastores americanos das quatro denominações pesquisadas, 139 deles (19%) deixaram o pastorado por causa da “Síndrome de Burnout”, sendo este o terceiro motivo do abandono do pastorado.

Embora a pesquisa tenha sido realizada nos EUA, o problema acomete a muitos, no Brasil e em outros países. Seja pastores e pastoras ou missionários e missionárias, a pessoa atinge um grau tão devastador de cansaço físico e emocional, que a leva a uma total desmotivação e a pensar: “não posso mais!”; ou ao desinteresse profundo dizendo: “não quero mais!”. Caracterizando a desistência dos ideais que outrora abraçou e defendeu, por causa de um esgotamento da alma, um cansaço que nenhum fim de semana de descanso consegue resolver ou amenizar.

Sim, pessoas que temem a Deus também podem sofrer deste “mal da alma”. Grandes homens de Deus, cujos nomes estão explícitos ou implícitos no rol dos “Heróis da Fé” (Hb 11:1-40) apresentaram no decorrer de suas vidas e ministérios cansaço físico e emocional, que lhes provocaram desmotivação e desinteresse, a ponto de declararem a Deus que “não podiam” ou que “não queriam” cumprir a missão.

Poderia citar mais, mas deixo aqui apenas três exemplos. Moisés, que cansado de tanta murmuração e reclamação (Êx 15:23-24; 16:2-3; 17:3) chegou a pedir a Deus que o “matasse” (Nm 11:11-15). Da mesma forma, Elias, depois de cumprir o que Deus lhe determinara fazer como profeta (1 Rs 18:1,18-46), achou que todo Israel iria se converter ao Senhor, porém, o resultado não foi satisfatório, então Elias pediu a Deus que o matasse (1 Rs 19:3-4). Outro exemplo é o profeta Jeremias, depois de anunciar durante vinte e três anos a mensagem de Deus, sem que as pessoas se convertessem do mau caminho, também chegou a desistir de seu ministério e amaldiçoou o próprio nascimento (Jr 7:13; 11:7; 20:15-18; 25:3).

 

O “Burnout Moderno

 

Embora tenhamos citado os grandes homens de Deus que apresentaram características de terem desenvolvido “Síndrome de Burnout”, preciso ressaltar que há uma diferença nas causas apresentadas por eles (das quais falaremos em outra oportunidade), e as causas observadas no “Burnout Moderno”.

Ao realizarem as primeiras observações da síndrome na década de 70, os pesquisadores notaram que o desgaste, a irritação e a afetação do humor dos profissionais da área da saúde, estava relacionado com a busca do sucesso e prazer na vida profissional, que a pessoa era extremamente aplicada e buscava o melhor de si mesma constantemente.

Mas, além dessa exigência pessoal na busca da alta performance como meta de realização pessoal, a síndrome do esgotamento profissional, ou simplesmente “Síndrome de Burnout”, é um sintoma dos tempos modernos, uma condição de exaustão que leva à paralisia das forças e sentimentos, ao sufocamento e perda da alegria de viver. Atualmente casos desta síndrome são cada vez mais frequentes e, estudos recentes, afirmam que ela não acomete apenas os profissionais que lidam com trabalho social, como se acreditava antes, mas também outros tipos de trabalhos e até mesmo o doméstico.

Isso porque, apesar de todo sucesso que a pessoa tenha no trabalho, o não reconhecimento de todo seu esforço pode se transformar no “Burnout”, através de doze estágios, os quais citamos:

  1. Necessidade de se afirmar ou provar ser sempre capaz;
  2. Dedicação intensificada – com predominância da necessidade de fazer tudo sozinho e a qualquer hora do dia (imediatismo);
  3. Descaso com as necessidades pessoais como comer, dormir, sair com os amigos começam a perder o sentido;
  4. Recalque de conflitos – o portador percebe que algo não vai bem, mas não enfrenta o problema. É quando ocorrem as manifestações físicas;
  5. Reinterpretação dos valores – isolamento, fuga dos conflitos. O que antes tinha valor sofre desvalorização: lazer, casa, amigos, e a única medida da autoestima é o trabalho;
  6. Negação de problemas – nessa fase os outros são completamente desvalorizados, tidos como incapazes ou com desempenho abaixo do seu. Os contatos sociais são repelidos, cinismo e agressão são os sinais mais evidentes;
  7. Recolhimento e aversão a reuniões (antissocialização);
  8. Mudanças evidentes de comportamento, dificuldade de aceitar certas brincadeiras com bom senso e bom humor;
  9. Despersonalização – evita o diálogo, dando prioridade aos e-mails, mensagens, recados, etc;
  10. Vazio interior e sensação de que tudo é complicado, difícil e desgastante;
  11. Depressão – marcas de indiferença, desesperança, exaustão. A vida perde o sentido;
  12. E, finalmente, a síndrome do esgotamento profissional propriamente dita, que corresponde ao colapso físico e mental. Esse estágio é considerado de emergência e a ajuda médica e psicológica uma urgência.

Entre esses estágios, é comum a presença de sintomas variados como: fortes dores de cabeça, tonturas, tremores, muita falta de ar, oscilações de humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração e problemas digestivos. O “Burnout” é um recibo psicológico dado a nós por nos distanciarmos da vida. Estamos levando uma vida que nos possui, ao invés de buscarmos possuir a vida (Jo 3:7).

 

Não se deixe queimar totalmente

 

Se o nosso estilo de vida moderno contribui para a propagação da “Síndrome de Burnout”, através dos avanços tecnológicos, consumo excessivo e o materialismo; devemos então mudar nosso “estilo de vida”, não nos deixando ser explorados e nem explorar quem está a nossa volta. A Palavra de Deus ainda é o melhor remédio para os males da alma (Salmo 107:20).

Se praticarmos ensinamentos de Jesus Cristo contidos, por  exemplo, em Mt 5:37,39-42,44; 6:14-15,19-21,24,31-34; ou de Paulo escritos em Rm 12:18; Fp 4:4-8; ou ainda em Hb 13:5, e muitos outros com estes relacionados, evitaremos muitos males em nossas vidas, especialmente os da alma.

Contudo, se no dia a dia é percebido que a vida parece estar perdendo o brilho e o sentido, que a insônia persiste por dias seguidos sem motivo aparente, que tem a sensação de estar vivendo apenas para o trabalho, sem perspectivas e que os sonhos já não motivam mais, que a vida se resume a um cansaço constante e desânimo permanente, é hora de acender a “luz amarela”, e não deixar a “luz vermelha” ser acesa em você.

“Desgaste emocional uma reação em cadeia”

O desgaste emocional é um estado final que surge como o resultado de uma reação em cadeia que não permite que você se sinta realizado e satisfeito com o que você está fazendo. Em outras palavras, se encontramos sentido no que estou fazemos, se sentimos que o que fazemos é interessante e importante, nos sentindo realizado e feliz, não haverá lugar para a exaustão emocional. Mas, não devemos confundir esses sentimentos com o entusiasmo. O entusiasmo nem sempre está conectado com a plenitude, que é uma faceta mais duradoura e oculta.

A “Síndrome de Burnout” sempre nos confronta com perguntas. Você pode preveni-la fazendo a si mesmo algumas perguntas simples e tomando algumas atitudes sérias. Então, pergunte-se:

  1. Eu realmente encontro significado no que estou fazendo? Sinto valor pessoal no meu trabalho?
  2. Para que estou fazendo isso? Por que estudar na faculdade? Por que estou escrevendo esse livro? Qual é o significado disso? Vai me valorizar?
  3. Eu gosto do que estou fazendo? Não estou me sentindo bem? Faço meu trabalho com vontade? Estou feliz com o que estou fazendo? Provavelmente não será sempre assim, no entanto, a alegria e a satisfação devem prevalecer.
  4. Depois de tudo isso, você precisa fazer outra pergunta, de cunho mais pessoal: Eu quero viver fazendo isso? Quando estiver morrendo e olhar para trás, acharei que valeu a pena viver?

O tratamento para “Síndrome de Burnout” deve ser orientado por um psicólogo ou psiquiatra, se for necessário a combinação de medicamentos. Mas, você não precisa deixar o “Burnout” acontecer. Tomando algumas medidas simples você também pode evitar esta síndrome da vida moderna:

  1. Organize seu tempo, definindo prioridades;
  2. Tenha qualidade de vida, reservando um tempo para o lazer, para a família e os amigos;
  3. Faça exercícios (ao ar livre de preferência) e/ou atividades que dão prazer;
  4. Fale com alguém de confiança sobre as dificuldades pelas quais está passando;
  5. Esclareça aos seus superiores no trabalho sobre eventuais problemas que esteja enfrentando;
  6. Realize atividades de relaxamento;
  7. Procure profissionais especializados, que com técnicas específicas te ajude a promover mudanças de comportamento, visando seu bem-estar e a ter mais equilíbrio na vida.

 

Conclusão

 

Bem, começamos este pequeno estudo citando 2 Coríntios 12:15, onde Paulo diz que: “de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol da vossa alma.” Onde no original, Paulo usa duas palavras diferentes de sentidos profundos. A primeira traduzida por “me gastarei” diz respeito a “fazer despesas, gastar” com relação a coisas materiais, ao dinheiro; a segunda, traduzida por “me deixarei gastar“, pode ser traduzida por “esgotar pelo uso, gastar inteiramente, terminar completamente, esgotar-se.

Ao meditarmos nessas palavras no seu sentido original, nos parece que o Apóstolo Paulo buscava um “burnout espiritual” em seu ministério, isso não é ruim, pois mostra que ele tinha consciência dos desafios que já havia superado e que ainda encontraria. Baseado em inúmeras passagens de suas epístolas, apesar de todo seu sofrimento e desafio (Rm 8:36; 1 Co 4:9-13; 2 Co 4:7-12), Paulo decidiu ser um pastor missionário e servir ao seu Senhor.

Com certeza, a resposta do Apóstolo Paulo para a quarta pergunta que deve ser feita para confrontar a “Síndrome de Burnout“, sim, a última e mais pessoal: “Eu quero viver fazendo isso? Quando estiver morrendo e olhar para trás, acharei que valeu a pena viver?” Ele responderia: “Eu quero que minha vida seja uma libação, quero combater este combate até o fim e guardar minha fé!” (2 Tm 4:5-8).

Talvez seja esta consciência real, essa certeza de fé, baseada no Evangelho da cruz (Mt 16:24-26; Fp 2:5-8) que está nos faltando, para que não nos estribarmos em nossa própria força, capacidade financeira ou de conhecimento, mas no Senhor. Se assim agirmos, não nos desgastaremos em vão, mas para a Glória do Senhor (1 Co 1:26-31; 2 Co 10:14-18).

Precisamos, como Paulo (Fp 1:29-30), ter a consciência do que fomos vocacionados por nosso Deus a realizar em Seu nome, coisas grandes ou pequenas, para a glória dEle. Por isso, devemos aprender dEle, em sua Palavra, a observar os Seus preceitos eternos para não desanimarmos nos “afadigando” desnecessariamente (Lc 10:40-42).

Sim, teremos momento de crises, de depressão, e nestes momentos precisaremos sempre de pessoas para nos ajudar, nos consolar e animar (Mt 5:4; Jo 14:16; 2 Co 7:5-7); contudo, precisamos também que o Espírito Santo nos esclareça sobre nosso papel no Reino, na obra do Senhor, para que como Paulo, possamos em Cristo Jesus (Fp 4:13) assumir o nosso papel com tamanha exatidão e ponto de poder declarar com alegria no coração: “vou me deixar desgastar em prol das almas!” (2 Co 12:15).

 

Que DEUS nos abençoe! E que o Espírito Santo fale aos nossos corações!

 

(Observação: algumas citações acima são de textos públicos encontrado na internet)

 

Anderson Fazzion,
Coordenador do CIM – WH Brasil


Para contato e saber mais sobre o CIM WH Brasil, acesse:

Cuidado Integral do Missionário – WH Brasil.


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