Cuidado com o desânimo

Pelo fato do desânimo atacar em algum momento – ou com muita frequência – os líderes cristãos, decidi escrever sobre o assunto. Comentarei a respeito das causas e origem, consequências e, sobretudo, qual deve ser a nossa atitude e respostas para vencer o desânimo.

Antes de abordar esses três pontos vamos estudar rapidamente alguns casos na Bíblia que nos ajudarão a tirar conclusões que apontam para os três pontos que abordaremos.

  • Em Isaías 6:1-9, é relatada uma visão onde o maior profeta messiânico da Bíblia é chamado ao ministério, embora o texto também seja uma alusão a Cristo como o Messias da Trinidade. Mas o que quero enfatizar é um elemento ou sentimento que todo líder sente ante a santidade de Deus no momento do chamado e em outros estágios do ministério, e que muitas vezes está ligado ao desânimo. Trata-se da “Síndrome da Incapacidade”, que algumas vezes é evidenciada com um sentimento de impureza para o serviço cristão. Isto é muito positivo porque, através deste sentimento Deus nos mostra a condição humana e nos faz abraçar a atitude humilde e primordial de reconhecermos nossas limitações para dar a glória devida a Deus, pois toda dádiva e dom perfeito provém dEle como Pai das luzes. Do contrário, o líder cristão seria alvo fácil da arrogância e da autossuficiência. Veja bem que o profeta, assim que teve a visão do trono do Senhor exclama no versículo 5: “Então disse eu: Ai de mim! pois estou perdido; porque sou homem de lábios impuros, e habito no meio dum povo de impuros lábios; e os meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos”. Porém, imediatamente, no versículo 6, Deus intervêm através do anjo que fala para o profeta que sua iniquidade é tirada e seu pecado, perdoado. Agora Isaías está habilitado para o exercício ministerial, e logo começam as instruções de Deus e a obediência do profeta.
  • Outro caso interessante é o do sumo sacerdote Josué, cinco séculos antes de Cristo, que fez parte da equipe de trabalho que Deus estabeleceu para a restauração do templo dos judeus – lemos o seu chamado em Zacarias 3:1-8. Contudo, há um elemento muito comum nos casos de desânimo do ser humano, que se trata da “Oposição e acusação de Satanás” (veja também Apocalipse 12:10). O versículo 3 diz que Josué estava “trajado de vestes sujas“. Mas ele estava diante do anjo, e o anjo o mandou tirar as vestes sujas e que vestissem trajes finos. Apesar da sujeira simbolizar a sujeira do povo, Josué também fazia parte do povo, enquanto a Bíblia explica claramente em Hebreus 5:1-3 que o próprio sumo sacerdote tinha impurezas, e por isso teria de oferecer sacrifícios também por ele mesmo. A limpeza, então, representa nesta passagem, tanto a limpeza futura de Israel como a limpeza de Josué para exercer o sacerdócio (liderança). Assim, a limpeza acontece mediante o tirar a iniquidade para avançar no exercício do ministério, livre das acusações do inimigo. Você também pode ser acusado pelo inimigo por algum erro do passado, mas deve identificar que Deus convence para redenção no amor; Satanás, porém, acusa para destruição pelo medo.
  • Finalmente, dois líderes são usados para expor estas verdades que têm a ver com a vulnerabilidade dos líderes cristãos de hoje e a nossa condição humana. Jeremias recebe uma repreensão de Deus em Jeremias 15:19, onde é exortado a voltar a Deus para ser como sua boca e apartar o precioso do vil para ser restaurado. Jeremias se queixava muito e procurava se justificar ante suas fraquezas e o peso do ministério que exercia, mas Deus mostra que ele estava se deixando influenciar pelos inimigos. Pedro também é exposto por Deus à sua própria condição de fraqueza, quando procurou se autopromover como fiel ante a perseguição, mas Jesus predisse que Pedro não seria fiel o suficiente a não ser que o Senhor rogasse por ele: “Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, fortalece teus irmãos. Respondeu-lhe Pedro: Senhor, estou pronto a ir contigo tanto para a prisão como para a morte” (Lucas 22:31-33). Posteriormente lemos a história onde Pedro acaba negando a Jesus. Ali Jesus mostrou a vulnerabilidade de uns dos principais líderes da igreja apostólica. Entretanto, Jesus disse que quando Pedro se convertesse, afirmaria e animaria seus irmãos. Seria interessante refletir acerca quais as áreas das nossas vidas precisamos converter.

Tendo em mente essa base bíblica vou enumerar três causas, algumas consequências e também recomendações para resistir a esse “visitante indesejado” das nossas vidas, chamado desânimo.

Causas

  • Desgaste natural e cansaço. O desgaste nas máquinas e sistemas de produção em empresas é totalmente normal, mas se o departamento de manutenção preventiva não programa uma manutenção, temos o perigo de uma parada repentina e até perigosa dentro da empresa. De igual forma, se nós como líderes e seres humanos não programamos nosso descanso, retiros, refrigérios, processos de mentoria, estudo e preparação continuada, vamos entrar em um processo de desânimo e, não são poucos os que chegam até a depressão. Se não damos importância ao crescimento espiritual e profissional, tempo de família, amigos, férias, etc., vamos terminar em situações de paradas involuntárias e até dolorosas na nossa rotina ministerial. É preciso aprender a gerenciar isto.
  • Pecado ou assuntos não resolvidos. Além do desgaste, existem assuntos íntimos de nossas vidas e nosso caráter que só nós sabemos, que podem nos levar a uma condição de falta de vigor, desânimo, depressão e crise diversificada. A menos que Deus nos submeta a fortes confrontos e adversidades, não seríamos convertidos a verdadeiros servos. Eu me escandalizei quando li pela primeira vez que Deus estava falando com Jeremias e Pedro a se converterem, pois já estavam no ministério. Soa familiar ou escandaloso para você o fato de ler a respeito de líderes que precisavam converter áreas do seu caráter? Pois é, há áreas em nossas vidas que precisam ser convertidas, transformadas e mudadas. É preciso que nós nos permitamos ser guiados por Deus, em seu amor, a um “casulo espiritual” para que possamos nos desenvolver. Li uma metáfora nestes dias onde o autor dizia que uma lagarta demora horas para andar um metro de distância, enquanto uma borboleta é capaz de voar a longas distâncias com suas asas, que são desenvolvidas através do processo da metamorfose. A chave aqui é o processo de Deus no casulo. O desânimo e as crises são usados como casulo por Deus para desenvolver nossas asas espirituais para que possamos voar. Não procure sair antes do tempo do casulo onde Deus tem o colocado, pois se não completar o processo não poderá voar do jeito que Deus deseja. Pecado não é só roubar, fornicar ou mentir, mas também não orar, ter preconceitos, fofoca ou comentários carnais, etc. É bom que façamos um checkup espiritual para lidarmos com os assuntos não resolvidos nas nossas vidas.
  • Circunstâncias externas. Tem assuntos na vida que escapam das nossas mãos, tais como perseguição religiosa, sistemas políticos opressores como o comunismo, doenças ou problemas na família, dificuldades variadas. Mas não devemos esquecer que a soberania de Deus está acima de qualquer circunstância, e que sempre quando tivermos a atitude correta, motivados pela fonte de vida que são a sabedoria, a Palavra de Deus e a devoção, teremos vida em abundância mesmo no meio da diversidade. Após ter vivido no mundo muçulmano, na transição da democracia para comunismo na Venezuela e numa comunidade de miséria e pobreza como é a tribo indígena Warao, posso dizer que tudo é questão de atitude quando estamos do lado certo do jogo. De qualquer jeito, Ele não nos permitirá que sejamos tentados além das nossas forças (1 Coríntios 10:13), nem irá nos impor um fardo tão difícil de se levar (Mateus 11.28-29).

 

Consequências do desânimo e recomendações para combatê-lo

 

Uma pessoa cansada ou desanimada pode sair do ministério, deixar a família, se divorciar ou desistir de um projeto de vida como um negócio ou curso profissional. A recomendação é persistir em fidelidade, pois antes da honra vem a aflição. Muitas pessoas que desistiram no passado, nunca teriam desistido se soubessem o quanto estavam perto do alvo. A perseverança é uma virtude básica para o ministério cristão. Um jovem que faz faculdade passa noites inteiras estudando, pois tem um sonho, mas não desiste porque sabe que todo esforço tem recompensa. Assim nós devemos nos lembrar das promessas de Deus e avançar naquilo que ele nos confiou (Hebreus 10.35-39).

Uma pessoa cansada e desanimada pode entrar em amargura, crítica destrutiva, tristeza profunda ou depressão. A recomendação é recorrer à nossa fonte, entrar na cova, subir para o monte e se retirar a fim de buscar intimidade com o Pai para reorientar nossas vidas, encher o tanque e recarregar as baterias.

Outra consequência também pode ser o isolamento pessoal no momento que precisamos de mentores, amigos e gente de ministério. Procure se associar com as pessoas certas. Um mentor, coach ou pastor é uma pessoa que muito provavelmente já passou pela situação que você está passando ou irá passar. Deus sempre vai colocar pessoas ao nosso redor que representam a própria mão dEle, a questão é que as vezes nossos preconceitos e passividade não nos permitem aproveitar tais pessoas. Recomendo muito que peçamos a Deus discernimento para que  Ele nos dê as pessoas certas para nos associar, servos com o mesmo DNA espiritual, chamado e mesma paixão que a nossa (1 Coríntios 15.33).

Nunca desista. Há uma tendência maior a desistir do ministério do que de uma carreira universitária. O secularismo e o desejo de fugir do fanatismo religioso de outrora têm feito que muitas pessoas coloquem em último – ou secundário – o Reino de Deus e sua justiça, e como primeiro as coisas deste mundo. Às vezes nos sentimos cansados de “ser pobres”, ou de depender de ofertas. Cuidado com os sentimentos de independência, autoconfiança, ou ainda com o orgulho de sentir que está sendo “produtivo e não dependendo de ninguém” (Deuteronômio 8.17-19).

Uma consequência do desânimo e desgaste é ver o ministério como um fardo pesado e não como um oficio sacerdotal do qual desfrutamos. Tenho falado com amigos, e até eu mesmo já senti desejo de deixar tudo e me dedicar à minha família, com um emprego em uma empresa e parar como o “estresse” de ter mantenedores. Graças a Deus estou dedicado à minha família e ainda no ministério. Eu tenho certeza que Deus está a cada dia chamando “fazedores de tenda” em diferentes escalas e estilos, mas ainda assim vejo pessoas se desviarem do propósito pelo qual Deus os trouxe a este mundo. É necessário então, prestar atenção em tudo o que falamos desde o princípio para não nos desviarmos, pois o abandono total ou parcial do “ofício divino” poderia ser perigoso (Hebreus 2.8). No curso normal do mundo de hoje, será cada dia mais e mais difícil exercer o ministério, e com certeza teremos que conciliar o que alguns chamam de serviço secular com o ministerial, mesmo como estratégia para alcançar os perdidos. Mas ainda assim, devemos ter cuidado para que não aconteça como a Jeremias no seu ministério ante os costumes, práticas e influência dos caldeus que dominavam o mundo ao redor deles. Aí então Deus falou com ele (Jeremias 15.19), pois a queixa de Jeremias desde o verso 15 mostra que a sua perspectiva era diferente da perspectiva de Deus.

Meu intuito com este artigo não é desanimar você mais se você já está desanimado, pelo contrário, desejo que você resista a realidade do desânimo de maneira realista e madura. Encerro este artigo com um texto que mostra a tristeza profunda do Grande Mestre e a forma como Ele se submeteu ao desígnio do Pai durante seu ministério na Terra:

“Então foi Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse aos discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar. E levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. Então lhes disse: A minha alma está triste até a morte; ficai aqui e vigiai comigo. E adiantando-se um pouco, prostrou-se com o rosto em terra e orou, dizendo: Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres. Voltando para os discípulos, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Assim nem uma hora pudestes vigiar comigo? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. Retirando-se mais uma vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. E, voltando outra vez, achou-os dormindo, porque seus olhos estavam carregados. Deixando-os novamente, foi orar terceira vez, repetindo as mesmas palavras.   Então voltou para os discípulos e disse-lhes: Dormi agora e descansai. Eis que é chegada a hora, e o Filho do homem está sendo entregue nas mãos dos pecadores.” (Mateus 26:36-45).

Perante as lutas da vida no ministério e na vida natural, todo ser humano tem uma esperança que o motiva a avançar. Em Apocalipse 21:1-7, João encerra escrevendo o que viu e deixa claro aos cristãos, o que eu acredito ser um dos textos mais importantes do Novo Testamento em se tratando de esperança, pois descreve promessas de Deus que o próprio Jesus o mostrou. É o anuncio do nosso encontro com Deus, onde Ele enxugará toda lágrima, onde nos lembra que a tristeza, pranto, luto, como as “primeiras coisas que passarão!” Este texto é super interessante porque deixa claro que  as aflições deste mundo, “as primeiras coisas” que muitos estão vivendo hoje terão um fim. Embora alguns busquem ter um estilo de vida próprio para fugir das aflições, um crente maduro sabe que elas também fazem parte da vida cristã, mas que um dia serão dissipadas. Naquele grande dia. Se nós sabemos que não há belo amanhecer sem noite escura, também devemos saber que é necessário lutar, trabalhar, trabalhar e trabalhar para aquele grande dia.

Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas.” Apocalipse 21:3-5

O texto de Paulo em 2 Timóteo 2:4-6 enfatiza que para gozar desde “Grande Dia” devemos trabalhar, entrar de cabeça nos desafios do ministério cristão, assim como o soldado desenvolve coragem, como o atleta desenvolve disciplina e o lavrador desenvolve constância. Eu quero parabenizar os obreiros que, com suas orações, serviço logístico, perseverança no campo e com seu recurso, têm se mantido prontos a contribuir no serviço dentro da World Horizons Brasil. Também os animo para que, agora que se passaram as férias, avancemos com nosso foco na esperança que é a nossa motivação: nos encontrar com o Pai no tabernáculo de Deus com os homens, e não só conosco, mas também com aqueles que ouvem a Palavra de esperança da qual somos portadores. Em Romanos 4:18-21, Paulo fala da convicção de Abraão para acreditar que Deus lhe daria uma descendência. Nós também devemos acreditar com firmeza no que Deus tem nos falado a respeito do futuro do trabalho que desenvolvemos, se não desfalecermos (Gálatas 6:9).

Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus (Filipenses 2.5-10). Que Deus nós continue abençoando!

 

 

Pr. Felix Cobos
Diretor da WH Brasil
Janeiro, 2018