As seis lições do livro de Jonas

O caráter de Deus

E os homens de Nínive creram em Deus;… (Jonas 3:5).

 

por Marcos Amado
Texto original aqui

 

O retrato que o livro de Jonas desenha de Deus é, sem dúvida, belo. Ele é apresentado como aquele cujas ações não podem ser preditas ou controladas. Ele detém o total controle sobre os elementos da natureza: envia a tempestade (Jn 1.4), e a acalma (Jn 1.15); envia o grande peixe, e o faz entregar Jonas em segurança (Jn 2.15), mostrando que Deus é aquele que é capaz de trazer a tempestade, mas também provê a libertação; ele faz uma planta crescer em uma velocidade incrível, e também usa um verme para fazer seu plano acontecer (Jn 4.6). Não há como esconder-se dele (como lemos também no Salmo 139)1.

Além disso, como é possível notar a partir das três declarações de fé bem ortodoxas de Jonas, ele é o Deus todo poderoso que fez os céus, o mar e a terra (Jn 1.9); é aquele que provê a salvação (Jn 2.9b), e é “Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que prometes castigar mas depois te arrependes” (Jn 4.2b).

De acordo com McKeown, “O livro de Jonas mostra que esses conceitos de retribuição divina e de compaixão divina não são mutuamente exclusivos2. Ele é um Deus que perdoará quando ocorrer arrependimento genuíno. “Assim, apesar de o livro de Jonas defender uma visão de Deus como justo juiz que irá punir os perversos, equilibra isso com a mensagem de que Deus atende àqueles que clamam a ele por misericórdia (Jn 4.2)”.3 Por isso, não hesita a “mudar de ideia” ao ver o povo de Nínive afastando-se de seus maus caminhos (Jn  3.10).

A preocupação de Deus para com toda a humanidade

Exatamente por conta de quem Deus é, não é de se estranhar que a salvação não seja um direito exclusivo do povo eleito, e essa é a segunda importante lição que Deus está comunicando por meio de Jonas a Israel (ou lembrando-os do que já sabiam) e a todos que, hoje, querem ouvi-lo.

Os marinheiros, no capítulo um, com seus diferentes deuses, ouviram, possivelmente pela primeira vez, a respeito do verdadeiro Deus, criador dos céus e da terra. Como resultado, oraram a Deus e ofereceram seus votos.

O livro mostra como YHWH importa-se com seu relacionamento com outras nações e até mesmo com os animais, não apenas com os que são parte do povo de Israel. “Todos os seres humanos que aparecem no livro clamam por misericórdia e Deus os atende”.4

Com exceção de Jonas (o único na história que pertencia ao ‘reino sacerdotal’), “todos os demais personagens da história, incluindo os animais, obedecem a Deus sem hesitar5, mostrando que pessoas de outras nações estavam abertas a Deus, incluídas em seus propósitos e ao seu alcance.

O Senhor não está restrito a um grupo ou a um povo para fazer seu nome conhecido entre as nações. Israel estava falhando em cumprir sua missão até mesmo para os vizinhos mais próximos, e Deus levanta Jonas para ir a uma nação inimiga distante. “Se aqueles que supõem serem os ‘eleitos’ de Deus falham em sua missão, o soberano Senhor da salvação encontrará seu próprio caminho para comunicar suas misericórdias salvadoras ao mundo perdido6.

Seis lições que o movimento missionário moderno pode aprender do livro de Jonas

Ao estudar o texto bíblico, há sempre o perigo de ler demais no texto. Mas, se quisermos extrair o máximo possível a respeito do que o Senhor quer comunicar aos cristãos hoje, vale a pena correr certo risco. Como apresentado anteriormente, fica claro que o livro de Jonas, quando visto como registro histórico, escrito antes do exílio, tem muito a contribuir para nosso entendimento que quem é Deus e de seus planos para toda a raça humana.

No entanto, como conclusão, uma última pergunta deve ser feita: há algo que o movimento missionário evangélico ao redor do mundo possa aprender com o livro de Jonas?

 

De forma muito breve, menciono 6 lições:

  1. Em muitos círculos cristãos, é comum argumentar-se que, com tanto por fazer em casa, por que pessoas deveriam ir a outros países para testemunhar do Senhor? Muito poderia ser dito para responder a esse questionamento. No entanto, no livro de Jonas, pode-se observar que o Senhor chama pessoas específicas para realizar tarefas específicas em diferentes partes do mundo.
  2. A partir disso, podemos inferir que missão não é uma questão de decidir quando, onde e como dinheiro e recursos podem ser melhor utilizados. Claro, cristãos devem ser bons mordomos.No entanto, é preciso dar espaço ao Espírito Santo para que envie missionários de acordo com sua vontade soberana (At 13.4), ainda que, algumas vezes, possa haver, de uma perspectiva gerencial, formas melhores para que as coisas sejam feitas.
  3. Outro argumento utilizado com frequência é que os esforços deveriam concentrar-se no envio de missionários a lugares nos quais há maior possibilidade de colher resultados mais significativos (em termos numéricos) em menor espaço de tempo.Contudo, na época de Jonas, um dos lugares mais improváveis para se esperar resultados – levando em conta a reputação dos ninivitas de serem um povo cuja maldade havia chegado ao limite (Jn 1.2) – era justamente Nínive. Mas, de novo, a soberania de Deus é o que determina o lugar para onde o profeta deveria ir.
  4. Se todo o mundo quiser conhecer “o SENHOR, o Deus dos céus, que fez o mar e a terra seca” (Jn 1.9), terão de ser postos de lado preconceitos sociais, políticos e religiosos.A resistência de Jonas para obedecer a Deus, possivelmente, fundamentava-se nesses aspectos, e isso não agradou a Deus. Se os líderes de Israel fossem questionados sobre se Jonas deveria ou não ir a Nínive, a resposta provavelmente teria sido negativa, principalmente por conta de equívocos teológicos e preconceitos culturais e políticos.
  5. Uma teologia ortodoxa não garante, necessariamente, um entendimento do propósito de Deus para a humanidade. Como visto anteriormente, Jonas fez três declarações bem ortodoxas sobre quem Deus é.Contudo, por conta de conceitos equivocados e preconceitos já mencionados, ele não conseguiu entender as implicações de tais fundamentos ortodoxos. É comum dizer que a Igreja do Sul Global (muitas vezes pobre) carece de profundidade no conhecimento teológico. Mas, movida pelo Espírito Santo, milhares de novos missionários têm sido enviados pela Igreja desses países todos os anos.

    De outro lado, a Igreja no ocidente, que supostamente detém a profundidade teológica, tem enviado poucos missionários a cada ano, apesar de possuir recursos financeiros para isso.

  6. Embora mencionada de forma breve, é evidente que a preocupação do Senhor era com a humanidade e também com o restante de sua criação (Jn 4.11).Apesar de não devermos superestimar a importância dessa passagem, percebe-se que os animais também eram alvo da preocupação de Deus, o que deveria levar os cristãos a pensar sobre a criação como um todo ao considerar a abrangência da missão.
Sobre o autor Marcos Amado:
Diretor do Centro de Reflexão Missiológica Martureo, é graduado em Teologia pelo All Nations Cristian College (Reino Unido) e Mestre em Missiologia com Especialização em Estudos Islâmicos pela mesma instituição. Em Beirute, no Líbano, cursou Estudos Avançados em Religiões e Culturas do Oriente Médio no Institute of Middle East Studies. É casado com Rosângela e acumula mais de 23 anos de experiência transcultural.

AMADO, Marcos. A relevância do livro de Jonas para Missões, 2019. Disponível em: https://www.martureo.com.br/a-relevancia-do-livro-de-jonas-para-missoes/. Acesso em: 15 ago. 2019.