Suicídio, Evangelho e saúde mental: reflexões sobre uma espiritualidade saudável.

“Pois a nossa alma está abatida até ao pó, e o nosso corpo, como que pegado no chão.”
(Salmos 44:25)

por Isabella Poppi Carvalho

 

Nos meus quase 9 anos como psicóloga clínica, atendi muitos cristãos, tementes a Deus, fiéis à Palavra, dispostos a viverem seus chamados, buscando de mente e coração uma vida que agrada ao Pai, e ainda assim, com a vida emocional em frangalhos. É claro que essa divisão é meramente didática já que, tanto a ciência quanto a Bíblia, deixam claro a relação existente entre corpo, alma e espírito. Dessa forma, a saúde da alma – emoções, pensamento e vontade, fala da saúde do espírito e do corpo, e vice versa.

O caos emocional é o sintoma de algo muito mais profundo e tem levado muitas pessoas, inclusive cristãos, a procurar no suicídio o alívio de suas dores, tão caladas, tão negligenciadas, tão indizíveis.

Segundo as estatísticas, atualmente acontecem por volta de 1 milhão de suicídios ao ano, aproximadamente 1 a cada 40 segundos, sendo predominante entre homens e na faixa etária entre 15 e 34 anos. 44% dos evangélicos acham que a decisão de tirar a própria vida é simplesmente egoísta e 48% acha que oração e estudo bíblico são suficientes para superar uma doença mental.

Se afunilarmos essas estatísticas para pastores brasileiros, vemos que 70%, veja bem, 70% luta contra depressão e 71% está num quadro de esgotamento. Em contrapartida, temos também que 70% não tem amigo próximo, 54% trabalha mais que 55h/semanais, 18% trabalha mais que 70h/semanais, 53% se sente despreparado para o ministério, 80% acredita que o ministério influenciou negativamente suas famílias.

Em 2019 muitos de nós fomos impactados com o suicídio de alguns pastores, dentre eles o pastor norte americano Jarrid Wilson, que deixou em suas redes sociais suas últimas palavras, dizendo:

Amar Jesus nem sempre cura pensamentos suicidas. Amar Jesus nem sempre cura depressão (….). Mas isso não significa que Jesus não nos oferece companhia e consolo”.

Ou com o depoimento de outro pastor dizendo:

Eu admito que nunca em toda a minha vida eu fiz algo tão esgotante e cansativo como pastorear (…). Como pastor posso dizer que a Igreja precisa urgentemente se preocupar com o descanso e a saúde dos seus pastores”.

Segundo Dr. Abner Morilha, em missionários transculturais brasileiros existe a prevalência de 29,4% de transtornos mentais comuns; 22,3% de transtornos depressivos; 51% de transtorno de ansiedade, sendo 35,5% com sintomatologia ansiosa moderada/grave; e 16,4% de Síndrome de Burnout. Os resultados da pesquisa feita apontam que a alta necessidade de cuidado para com esse público tornou-se critério de saúde pública.

A suficiência de Deus pode se manifestar por meio do cuidado oferecido por cada profissional da saúde.

Assim, fica evidente o crescente adoecimento de líderes, pastores e missionários e por isso, se faz necessária a conscientização de que todos nós podemos passar pelo vale da ideação suicida. Gosto de perguntar as pessoas algumas coisas que podem ser óbvias, como: cristão envelhece? Aposenta? Pode ter câncer? Já perdeu alguém importante? Pode ser rico ou pobre, adolescente, jovem ou idoso? Solteiro ou separado? A resposta óbvia é que sim, e todos esses são fatores de risco para o desenvolvimento de quadros mentais comuns que podem levar ao suicídio.

Por muitas vezes me peguei pensando no porquê muitos cristãos têm dificuldade de enxergar a importância do cuidado com a saúde mental e se sentem, muitas vezes, ameaçados ou parecem pensar que alguma indicação para tratamento psicológico ou psiquiátrico é quase equivalente a afirmar a insuficiência de Deus.

Tento não simplificar algo tão complexo com comparações mesquinhas, mas ainda não encontrei nada melhor do que pensar em algo como: “Deus não é suficiente para curar um diabético, ou estabilizar a pressão arterial de tantos crentes?”. É claro que é, mas ainda assim a procura por profissionais capacitados e o uso de medicações são necessários. Isso não é diferente quando se trata da saúde mental.

A suficiência de Deus pode se manifestar por meio do cuidado oferecido por cada profissional da saúde, assim como por pastores, missionários, amigos, a Bíblia e a natureza. É dEle que vem toda capacitação e é Ele que tece as nossas agendas oferecendo-nos a oportunidade de conhecer tantas outras pessoas. O amor entregue em cada bom tratamento prescrito vem da única fonte que temos, que é Jesus.

Penso que hoje, como cristã e profissional da saúde, a maior forma de prevenção contra o suicídio que posso fazer é oferecer informações úteis que confrontem tantos tabus ainda presentes no nosso meio. Se você tem passado por momentos assim, não pense que é menos crente (como se isso fosse possível né?), que simplesmente está “em pecado”, ou que precisa dar conta sozinho. E se você conhece alguém que está passando por isso, não coloque mais peso sobre essa pessoa.

Somos feitos de forma perfeita, com os seres biopsicossociais e espirituais, e por isso, precisamos aprender a nos cuidar de forma integral. Não pense você que por ter mais conhecimento teológico ou estar em outro país evangelizando, está fora das estatísticas. O cuidado de si é responsabilidade individual (não solitária) e precisa ser feito de forma intencional e integral.

Meu desejo é que essa leitura te aproxime de um Evangelho no qual encontramos também suavidade e leveza, abrigo em meio as tempestades.

No Ministério Oásis, um centro de aconselhamento cristão que sirvo, costumamos dizer que a causa do esgotamento não é o cuidar de outras pessoas, mas a falta do cuidado de si. Aprendemos isso com a nossa querida enfermeira e doutora Telma Elisa Carraro.

Aprenda a pedir ajuda e a receber o cuidado que você tanto oferece, faça algo que você gosta, como ver filmes, pescar ou dançar; encontre um amigo verdadeiro, você pode pedir isso ao nosso Pai; cuide de sua alimentação; não procrastine os seus exames de rotina ou o começo de alguma atividade física; priorize o seu tempo devocional e familiar; aprenda a administrar bem as suas finanças e procure ajuda profissional, caso seja necessário.

Se você leu essas dicas e pensou que não sabe como vai conseguir colocar isso na sua agenda, meu convite é para que você repense quais são as suas prioridades e se a forma que você tem utilizado o seu tempo reflete quais são os seus valores. Se você não sabe como fazer algum dos itens acima, procure quem sabe. Não fomos feitos para ser autossuficientes, mas a partir dos dons que recebemos do Pai, nos edificarmos mutuamente.

Meu desejo é que essa leitura te aproxime de um Evangelho no qual encontramos também suavidade e leveza, abrigo em meio as tempestades, acolhimento da dor e a certeza de que o cuidado de si é também uma forma de refletir o amor de Deus. Diante de tantas estatísticas alarmantes, uma me entristece e encoraja: 9 em 10 suicídios podem ser evitados. Isso pode se tornar realidade por meio da prevenção a partir de você!

Seguir mantendo a alma viva, sem perder o sentido do que se faz para o reino de Deus, requer alguns elementos saudáveis: nutrição relacional com Deus, a divisão de cargas com amigos e amigas, perceber-se como ovelha que precisa de pastor, não hesitar em procurar ajuda qualificada quando necessário (de Clarice e Cláudio Ebert, adaptado por mim).

Quando procurar ajuda profissional?

Se você sentir 4 ou mais desses sintomas por duas semanas, procure ajuda profissional imediatamente: isolamento, mudanças marcantes de hábitos, perda de interesse por atividades que gosta, descuido com a aparência, piora no desempenho escolar ou de trabalho; alterações de sono ou apetite e pensamentos recorrentes sobre o desejo de estar morto ou de desaparecer.

Isabella Poppi Carvalho, é psicóloga clínica e terapeuta familiar, especialista em Psicologia da Saúde, aluna do Seminário Teológico do Betel Brasileiro e EMDRista em formação. Participa do CIM-SP (AMTB), colaboradora com a elaboração de laudos psicológicos dos candidatos da APMT e da Frontiers, e com supervisão de casos na Missão Antioquia. Serve como terapeuta e nas áreas do louvor e Oásis filhos no Ministério Oásis, e é facilitadora no Celebrando Restauração da PIB Penha.