(Uma reflexão sobre quando o próprio Espírito Santo nos impede de fazer sua obra)
“E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia,
defrontando Mísia, tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus não o permitiu.”
(Atos 16:6-7)
Como já disse em outros textos, a Igreja de Cristo, especialmente no Brasil, recebeu um ensinamento que mais prejudicou, e ainda prejudica, a expansão do Reino, dentro do “Plano Original” de Deus que nos é revelado pelo Espírito Santo através de sua Palavra.
Esse ensinamento que norteia a vida de muitos cristãos sinceros, tem gerado um grande número de cristãos e, especialmente obreiros, frustrados e decepcionados consigo mesmos, não poucas vezes alimentando esses mesmos sentimentos com relação ao Senhor Deus, pelo fato de fazerem uma interpretação ingênua, infantil, do “IDE” ou da “Grande Comissão”, a última ordenança de Cristo Jesus, registrada em Mt 28:18-20 ou Mc 16:15-20. E esse erro está no fato de terem recebido, ou ainda receber, uma grande carga de ensinamentos e pregações baseados na “Teologia Triunfalista”.
No dicionário online, “triunfalismo” tem o significado de “atitude, crença ou doutrina de que determinado credo religioso é superior a todos os outros; atitude excessivamente triunfante; sentimento exagerado de triunfo”. Já Ricardo Quadros Gouvêa, ministro presbiteriano e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Seminário Teológico Servo de Cristo, em seu texto intitulado: “O triunfalismo e a teologia da precariedade”, publicado na edição 321 (Novembro-Dezembro 2009) da Revista Ultimato, define triunfalismo da seguinte forma:
“Defino o triunfalismo como a crença equivocada de que, por sermos crentes em Cristo, devemos ser vitoriosos em tudo, jamais experimentando fracassos ou reconhecendo fraquezas físicas, morais, intelectuais e espirituais.”
E ele comenta:
“Falta ao triunfalista o sentimento trágico da vida, um reconhecimento de suas limitações. (…) A arrogância evangélica triunfalista vai das certezas inamovíveis dos teólogos até as irreverentes demandas para com Deus. A teologia da precariedade foca nossa condição espiritual precária, intelectualidade precária, moral precária, na compreensão de que não somos chamados para ser anjos, mas humanos que andam humildes diante de Deus (Mq 6.8), sabedores dos nossos limites e bondosos para com os outros em ‘seus’ limites. ”
Neste sentido, no meio de uma “Igreja triunfalista”, assim como no “mundo dos negócios”, não há espaço para “perdedores”, então passamos a “exigir” de nós mesmos e, na maioria das vezes do próprio Deus, o “sucesso”, seja pessoal ou ministerial e, para tanto, muitos se “sacrificam”, literalmente, nos jejuns, orações e serviços, meras atitudes religiosas de se privar, repetir orações e se afadigar em “obras” humanas, achando que tudo isso fará com que Deus mude de atitude e nos faça “mais que vencedores”, quando, na verdade, é “estando em Cristo Jesus” que nos faz ser assim (Rm 8:31-32,37; Fp 4:13). Junte-se a isso o erro de que, não poucas pessoas, diante de uma dificuldade e fracasso, atribuem ao diabo atos da soberania de Deus.
Muitos não enxergam que alguns fracassos em nossa vida são oriundos de nossas escolhas erradas, da insensibilidade de ouvir a voz do Espírito Santo a nos guiar, ou de nossa arrogância humana de querermos fazer para Deus algo que Ele não determinou ou da maneira que Ele não mandou, além de executarmos nossos planejamentos sem consultar previamente ao nosso Deus, achando que, por estar fazendo algo bom e certo para Ele, já indica que temos seu aval (Pv 16:1,9; 19:21; 20:24; Tg 4:13-16).
O apóstolo Paulo, em sua epístola aos Romanos (Rm 12:2), orienta a Igreja, ou seja, todo e qualquer cristão, a não tomar a “forma do sistema mundano” ou do “presente século”, isso significa a não seguir o padrão ditado pelo mundo dominado pelo maligno (1 Jo 5:19), mas a “transformar” nossa maneira de ver, entender e fazer as coisas pela “renovação da nossa mente”, e assim experimentar “qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”.
Neste texto de Paulo (Rm 12:2), “vontade de Deus” no original significa literalmente “o que se deseja ou se tem determinado que será feito”, sendo assim, Paulo está orientando a Igreja a buscar o conhecimento do que Deus quer de cada um segundo o “dom” que Ele mesmo “repartiu a cada cristão” (Rm 12:3-8). Então, se eu tenho a minha mente renovada em Cristo Jesus, preciso entender como nosso Deus quer que eu atue na história que Ele escreveu para humanidade. Acontece que, nessa história, muitos querem ser “protagonistas” sem seguir o roteiro e nem a “direção” do Autor.
Para ilustrar o que estou dizendo, gostaria de citar a passagem destacada no início deste artigo onde o evangelista Lucas, registrando a história da Igreja Primitiva, ao anotar sobre a chegada do evangelho à Europa (At 15:36-16:40), inicia falando da desavença na liderança, ocorrida entre Paulo e Barnabé por causa de João Marcos, essa desavença foi tamanha que eles não caminharam mais juntos (At 15:36-41), contudo, pelas epístolas de Paulo se percebe que a desavença foi posteriormente vencida (Cl 4:10; 2 Tm 4:11).
Mas, perceba que Paulo, ao partir para sua segunda viagem missionária, tinha a intenção de visitar as Igrejas que ele havia implantado (At 15:36,41), após ter escolhido Silas como companheiro de viagem, conheceu a Timóteo na cidade de Listra e decidir leva-lo com eles (At 15:40; 16:1-3), tomaram rumo a “região frígio-gálata” visitando as Igreja explicando e orientando aos irmãos que observassem as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém fortalecendo as Igreejas (At 15:1-30; 16:4-5). Posteriormente, após percorrerem a região frígio-gálata, decidiram pregar a Palavra na Ásia, mas, de alguma forma, durante a viagem, foram “impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia,…” (At 16:6).
Paulo refez rapidamente o plano e ao se aproximar da região de “Mísia, tentaram ir para Bitínia”, contudo, mais uma vez foram impedidos de tomarem aquela direção, o próprio “Espírito de Jesus não permitiu” que continuassem a viagem naquela direção (At 16:7), então tomaram rumo a Trôade (At 16:8).
Penso que eles devem ter ficado perplexos, afinal eles tinham partido com uma boa intenção, e eles estavam fazendo a vontade de Deus. Não está registrado como o Espírito Santo disse a Paulo que não fossem para Ásia ou para Bitínia. Pode ter ocorrido de várias formas, talvez, mediante um profeta, uma visão, uma convicção interna ou alguma outra circunstância. Conhecer a vontade de Deus não significa que devemos escutar sua voz de forma audível, falando diretamente aos nossos ouvidos, como aconteceu na conversão de Paulo (At 9:4-6).
O Senhor nos dirige de diferentes formas, o essencial é procurar a vontade de Deus, para que nosso plano esteja em harmonia com a Palavra de Deus, não procurando fazer o que queremos pensando ser o que Deus quer. Lembre-se que é Deus quem abre ou fecha as portas de acordo a sua vontade (Ap 3:7).
O propósito “inicial” de Paulo em At 15:36 não foi concretizado e, subitamente, algo aconteceu e mudou os planos de sua viagem. Com certeza, antes de partirem eles haviam pedido ao Senhor que abençoasse o empreendimento deles, mobilizaram a Igreja para orarem sobre o assunto, levantaram recursos financeiros, divulgaram o planejamento, e agora tudo muda assim de repente? Agora eles estavam indo para uma outra direção, o que fariam a partir daquele momento? O que os outros pensariam deles? Será que os recursos financeiros e materiais seriam suficientes? E a motivação dos companheiros de viagem, ainda seria a mesma? Eles realmente deveriam mudar de direção e esquecer o plano original que “eles” haviam traçado?
O fato é que Paulo considerava com toda a seriedade Jesus como seu Senhor, ele e Silas não se achavam “senhores” de suas decisões e, por isso, em obediência ao Senhor, não foram nem para a Ásia, nem para Bitínia, “atravessaram a Mísia e chegaram à cidade de Trôade” (At 16:8). Eles tinham tão somente o não da parte do Espírito Santo em relação à Ásia e a Bitínia, mas nenhuma outra instrução de onde deveriam ir. Esta é uma demonstração da Soberania do Senhor, Ele é de fato o “Senhor”, seja da nossa vida ou da obra missionária, a ponto de nos fazer esperar, mesmo quando achamos que temos de saber urgentemente o que deve acontecer em seguida ou o que devemos fazer de imediato.
Temos também nesse episódio, uma demonstração de total submissão à vontade do Senhor (Mt 8:9-10), eles não se atreveram refazer o plano de viagem transformando-o em um novo, qualquer possibilidade pessoal foi descartada, até mesmo um retorno antecipado, eles esperaram o direcionamento de Deus (Zc 4:6; Jo 3:7-8).
É necessário que ao conceber nossos planos, eles não sejam apreciados somente por nós mesmos, e tampouco apenas com nossos companheiros, mas, de antemão e de imediato, ao concebê-los, devemos primeiramente apresenta-los ao Senhor, afinal, aprendemos que nós podemos e devemos fazer planos, mas “a resposta certa dos lábios vem do Senhor” (Pv 16:1). Eles tiveram uma convicção de que a vontade de Deus não era que “retornassem para Antioquia” (At 15:30-41), por isso, apenas esperaram uma direção do mesmo Espírito que os impediram de ir adiante na obra que intentaram no coração.
Foi no momento em que eles se aquietaram, quem sabe até decepcionados com os dois “nãos” recebidos durante a viagem, diante daquela demora quase insuportável de uma resposta que não vinha. Então, à noite já em Trôade, ao se prepararem para o dia seguinte, a direção de Deus vem numa visão na qual Paulo vê “um varão macedônio em pé e lhe rogava, dizendo: Passa à Macedônia e ajuda-nos!” (At 16:9) e, assim, a direção lhe foi dada com maravilhosa precisão no último instante.
Imediatamente Paulo relata a seus companheiros a visão que teve e “eles concluem que Deus os havia chamado para lhes anunciar o evangelho na região da Macedônia” (At 16:10; Am 3:3). Só então o plano é refeito e, provavelmente, na manhã seguinte partiram para a Macedônia (At 16:11-12). O planejamento humano original era visitar e confirmar as Igrejas já implantadas, quem sabe até com um certo “orgulho” do que já haviam “realizado” até então (At 15:36,41; 16:1-5), e também evangelizar na região da Ásia e em Éfeso (At 16:6-7).
Contudo, todo o plano foi negado, impedido pelo Espírito de Jesus, desta forma o plano menor e imediato foi mudado para algo muito maior que o Senhor tinha para que fosse realizado por eles. Desta forma, Deus envia seus missionários audaciosamente para a Europa, estabelecendo uma base firme na Macedônia, antes de investir sobre a difícil Grécia e a Europa. Posteriormente, Éfeso, Colossos, Laodicéia e as demais igrejas na Ásia tiveram sua hora (Atos 18:23-20:38; Ap 1:4-3:22). A visão do chamado inesperado e impensável de Deus fez o impedimento ficar compreensível dentro do plano do Senhor, hoje temos o privilégio de ver o alcance da direção de Deus dada a Paulo e seus companheiros, até os “confins da terra“.
Entendendo a direção de Deus, Paulo e sua equipe, mesmo não conhecendo a realidade que encontrariam na região da Macedônia, obedeceram e agiram. É unicamente de Deus a tarefa de abrir uma “porta da fé” (At 14:27) para que o Evangelho chegue aonde não chegou, aos povos ainda não alcançados, mas, é tarefa dos enviados “ir”, sob obediência e submissão ao Senhor, e testemunhar o único evangelho, íntegro e imutável, onde, quando e como o Senhor determinar.
O “Plano da Salvação” como gostamos de chamar a Bíblia ou, especificamente, o Evangelho, é um plano do próprio Deus, nós somos apenas os executores. Temos realmente como última ordem do Senhor Jesus o “IDE” até os confins da terra (Mt 28:18-20 ou Mc 16:15-20) e devemos cumprir essa ordenança, porém, onde, como e quando é uma prerrogativa de Deus que escolhe, separa e envia através da Igreja seus emissários (At 13:1-3).
Podemos ir até um povo, implantar Igrejas, abrir frentes de trabalhos missionários, mas, como ocorreu com Paulo, Deus pode mudar os nossos planos, não o dEle, para alcançar outros povos, tribos e nações que nunca sonharíamos um dia alcançar.
Precisamos ser então sensíveis para entender o “não do Espírito Santo”, não o confundindo com uma ação do inimigo, mas, entender que é Deus quem deve operar em nós e através de nós tanto o “querer quanto o realizar” (Fp 2:13). O melhor lugar para estar é onde Deus determinar e fazendo o que ELE mandar. Métodos, planos e vontade de fazer é bom, em qualquer área da vida, mas, no Reino de Deus, tudo isso deve estar sob a vontade e as ordens do Senhor da Seara.
Que aprendamos a ouvir a voz do Espírito Santo, até mesmo quando Ele nos diz: Não!
Anderson Fazzion,
Coordenador do CIM – WH Brasil
andersonf@vitalia.org
Para contato e saber mais sobre o CIM WH Brasil, acesse:
Cuidado Integral do Missionário – WH Brasil.